A história dos tributos brasileiros é marcada por confusões, injustiças e, frequentemente, desrespeito ao contribuinte. Os tributos PIS e COFINS, criados em 2001 e 2003 visando financiar a seguridade social, tornaram-se um verdadeiro labirinto para as empresas. O que poderia ser um instrumento de justiça fiscal transformou-se em um pesadelo administrativo, especialmente após a edição das Instruções Normativas 247 e 404 pela Receita Federal do Brasil, em 12 de março de 2004.
Historicamente, o governo promete uma coisa e faz outra. Quando foram criados o PIS e COFINS não cumulativos, a promessa era de que a carga tributária não seria aumentada. Isso, evidentemente, não se concretizou. O mesmo argumento é utilizado na reforma tributária atual, que promete simplificação. Pode até ser que a simplificação aconteça, mas apenas a partir de 2033. Até lá, enfrentaremos um desafio jamais vivido por qualquer executivo, seja empresário, auditor, contador ou advogado. Mas vamos aos fatos.
As normas editadas pela Receita Federal foram responsáveis por quatro erros gravíssimos, que não apenas desvirtuaram a legislação, como também aumentaram a carga tributária das empresas a níveis insustentáveis. O que deveria ser uma contribuição simplificada se transformou em um fardo insuportável para o setor produtivo, o varejo e outros segmentos. A alíquota do PIS e COFINS subiu de 3,65% para 9,25%, um aumento de mais de 153% de uma só vez. Isso seria aceitável em um país que já sofre com uma das maiores cargas tributárias do mundo?
A argumentação de que o PIS e COFINS não cumulativos operam em um sistema de débitos e créditos não se sustenta. Embora as empresas de lucro real paguem 9,25% sobre o faturamento bruto e possam tomar créditos sobre insumos ou insumos essenciais e relevantes, a realidade é outra. As empresas deveriam estar tomando créditos sobre o quarto grupo de contas contábeis e, na verdade, só tomam de três (bens, serviços e insumos). A Receita Federal restringiu a possibilidade de créditos a um número muito limitado de insumos e meia dúzia de despesas, o que, na prática, inviabiliza a efetividade do sistema não cumulativo. O resultado? As empresas sofreram perdas bilionárias, irrecuperáveis, já que, no Brasil, só é possível recuperar créditos dos últimos cinco anos. Pensa comigo: no Brasil só existem quatro grupos de contas contábeis! Como explicar para as empresas que desde 2023 só tomam créditos de três grupos de contas contábeis ignorando o quarto. E isso não é o mais agravante. O mais agravante é que o quarto grupo de contas é simplesmente o maior grupo simplesmente ignorado desde 2003, como se ele simplesmente não existisse.
Além disso, a Receita Federal não hesitou em alterar a Lei 10.833 ao inserir uma vírgula (,) onde na Lei é ponto (.). Esse simples erro de pontuação, intencional, distorceu completamente o sentido da legislação. Qualquer advogado sabe que, por conta desse erro, as Instruções Normativas 247 e 404 não teriam valor jurídico, mas a Receita Federal continuou a aplicar essas normas, demonstrando um claro desrespeito às leis e aos contribuintes.
O segundo erro grosseiro da Receita Federal foi ao restringir a tomada de créditos, autorizando-os apenas sobre insumos e meia dúzia de despesas. Ao definir quais contas contábeis dariam direito a créditos, a Receita Federal legislou, o que é expressamente proibido. As decisões do STF e do STJ são claras: a Receita Federal não tem poder para modificar as regras sem a aprovação do Legislativo. Mesmo assim, a autoridade tributária agiu como legisladora, prejudicando as empresas. Afinal, um país que tem a Receita Federal precisa de STF e STJ para quê?
O terceiro erro foi transformar o sistema não cumulativo em uma armadilha, onde as empresas não podem utilizar adequadamente os créditos a que têm direito. O que deveria ser uma salvaguarda fiscal virou um obstáculo, penalizando as empresas optantes pelo Lucro Real.
Por fim, o quarto erro da Receita Federal foi insistir em um texto restritivo que fere a Emenda Constitucional 42. Essa emenda tinha como objetivo evitar a superposição de tributos, ou seja, impedir que um tributo incidisse sobre o outro, como era o caso até 2001 e que ainda ocorre hoje para as empresas optantes pelo regime fiscal presumido. No entanto, o que testemunhamos foi um aumento exponencial da carga tributária, sem qualquer respaldo legal, infringindo os direitos fundamentais dos contribuintes.
Não podemos deixar de destacar que a Receita Federal, com suas artimanhas, contou com a ignorância contábil e tributária do sistema brasileiro para penalizar os contribuintes.
Essa “história para esquecer” não é apenas uma narrativa triste; é um alerta. As decisões do STF e do STJ têm sido importantes, mas até quando as empresas poderão contar com o Judiciário para proteger seus direitos? O que falta para que os legisladores tomem uma atitude efetiva e coloquem fim a essa bagunça tributária?
A urgência de uma reforma tributária que traga clareza e simplificação ao sistema é mais evidente do que nunca. A pergunta que fica é: quantas armadilhas ainda existem na reforma tributária aprovada? Será que os empresários, contadores e advogados já estão cientes dos impactos reais sobre suas empresas? O que observo no dia a dia é que poucos sabem, e ainda menos falam sobre o assunto. Muitos vão esperar até 2026 para agir, mas até lá pode ser tarde demais. As empresas sentirão os impactos diretamente em seus fluxos de caixa e, como sempre, no final dessa história, quem paga a conta somos eu e você.
É hora de levantar a voz e exigir mudanças. As empresas brasileiras não podem continuar sendo tratadas como meros números em uma planilha de arrecadação. Precisamos de um sistema tributário que respeite os direitos dos cidadãos e funcione de maneira justa e transparente. O PIS e COFINS não cumulativos deveriam ser instrumentos de justiça fiscal, mas, sob as condições atuais, tornaram-se ferramentas de opressão. E essa é uma história que, infelizmente, ainda estamos vivendo, mas que precisamos reescrever.